Em Portugal, o Alentejo tem sido o grande guardião dos vinhos de talha, tendo sabido preservar até aos dias de hoje este processo de vinificação desenvolvido pelos romanos. Ao longo dos tempos, a técnica de fazer vinho em talhas foi sendo passada de geração em geração, de forma quase imutável. Ainda assim, não existe apenas uma maneira de fazer vinho em talhas, variando ligeiramente consoante a tradição local.
Também o crescente interesse dos produtores alentejanos pelos vinhos de talha e a instalação destas vasilhas de barro em algumas modernas adegas, levou à introdução no processo de algumas técnicas e equipamentos que visam facilitar o trabalho sem adulterar a essência da vinificação em talha.
Seguindo os processos mais clássicos ou adotando alguma modernização, o vinho de talha mantém-se como um produto único, sublime representante da milenar cultura do vinho no Alentejo.
Não existe apenas uma forma de fazer o vinho de talha. A maneira mais clássica de elaboração do vinho de talha, tal como o ilustre agrónomo António Augusto de Aguiar deixou registado em 1876, não passa por prensa nem lagares fechados, servindo muitas vezes o próprio pavimento das adegas para a pisa e esmagamento da uva. As adegas, muitas vezes com arcos altos, têm janelas grandes por onde a uva é descarregada diretamente para o pavimento que é lajeado e esconso para o centro de forma a que o mosto siga, deslizando, para uma cisterna ou talha enterrada.
Esta cisterna tem o nome de “ladrão” (ou também “adorna”, por exemplo na Vidigueira), e serve igualmente como segurança para o caso de alguma das talhas rebentar com a pressão não se perdendo o vinho derramado. À medida que foram sendo introduzidos lagares e esmagadores manuais nas adegas, o ladrão tomou sobretudo a referida função de segurança em caso de rebentamento de talhas, algo que não sucede assim tão poucas vezes.
Com a chegada da uva à adega, a mesma é esmagada antes de seguir, com ou sem engaço, para as talhas. Tradicionalmente, e nos casos em que o ladrão é utilizado, o mosto nele acumulado é vertido para as talhas com recurso a canecas ou baldes. Muitas são as adegas onde se encontram ainda ripadeiras (ou mesas de ripanço) para que se faça o “ripanço”, ou seja o desengace
(retirar a parte lenhosa do cacho) das uvas à mão com recurso a um tabuleiro ou mesa formado por uma grade de ripas paralelas de madeira. Na maioria dos casos, porém, o desengace é efetuado por desengaçadores elétricos que separam os bagos do engaço.
Quanto ao papel do engaço na fermentação, cada produtor e localidade tem a sua própria tradição e modo de fazer: em Reguengos encontramos quem usa algum engaço para contribuir com maior arejamento das massas e permitir um efeito de filtração, e em Cuba é comum usar sempre a totalidade do engaço pelas mesmas razões. Alguns produtores preferem a fermentação sem qualquer engaço. Atualmente, logo após o esmagamento das uvas é adicionado ao mosto uma pequena porção de dióxido de enxofre mais
conhecido por anidrido sulfuroso (vulgo sulfuroso) a título de desinfetante para que elimine bactérias e as leveduras mais frágeis e indesejáveis permitindo que apenas as melhores estirpes sobrevivam e tomem contra do processo fermentativo.
Durante a fermentação, as massas vínicas (que tradicionalmente continham ainda alguns bagos inteiros por a pisa ser incompleta) são mexidas artesanalmente com um rodo de madeira (que tem a mesma função dos êmbolos compridos de madeira chamados “macacos” no Douro e na Bairrada e utilizados nos lagares). Estas operações ocorrem várias vezes por dia (no mínimo duas vezes, mas geralmente mais), incluindo, por vezes, durante a noite a fim de procurar evitar que as massas à superfície obstruam a boca da
talha e origine o seu rebentamento.
Em vários casos, as adegas encontram-se a alguns metros abaixo do solo para que o ambiente durante a vinificação seja o mais fresco possível e com menos oxigénio (o que exige a cautelas redobradas para quem nela labora, em especial durante a fermentação com a produção e libertação de dióxido de carbono). Adicionalmente, para baixar a temperatura da própria talha, é comum humedecer-se exteriormente a mesma diretamente com água várias vezes por dia (beneficiando do rebordo decorativo normalmente existente a toda a volta da talha e que ajuda a espalhar a água por toda a superfície), ou colocando à volta da talha sarapilheira e/ou panos molhados, podendo com estes meios baixar a temperatura de fermentação para cerca de 17º a 18ºC.
A fermentação termina, em regra, após 8 a 15 dias da entrada das uvas na talha, demorando ainda mais algumas semanas para que a parte sólida dos cachos (chapéu) – que no início deste processo estava à superfície – se deposite no fundo da talha. Essa parte sólida terá um papel fundamental na filtragem do vinho, quando da trasfega ou da abertura da talha para consumo direto.
Depois da fermentação completada e tendo o vinho repousado algumas semanas com as massas, há uma opção a fazer: ou se coloca uma torneira no orifício (tapado com um batoque de cortiça) existente a 30 cm do fundo da talha, muitas vezes recorrendo a ráfia ou palha para vedar, e se serve o vinho diretamente da talha, como é comum nas tabernas; ou a talha é esvaziada –
numa operação que demora entre 1 a 2 dias – sendo o vinho passado para uma outra talha de barro, onde atravessará o Inverno até ser consumido ou engarrafado no início do ano seguinte (raramente depois de Março). As massas que ficaram na talha onde o vinho fermentou são retiradas manualmente, implicando, regra geral, que um homem de pequena estatura entre no seu interior. O processo acima descrito, com as suas variantes, é tradicionalmente o mesmo tanto para brancos como para tintos, sendo ainda comum a mistura dos dois tipos de uva, dando origem a um vinho rosado chamado de “petroleiro” exatamente por causa da cor com que ficava.
Nesse período, é comum em algumas localidades (como Reguengos) que as talhas contendo vinho sejam resguardadas do ar através de tampas de
madeira ou de barro, ou mesmo com papel pardo, (chamada “tampa sólida”) que, contudo, não são totalmente eficazes permitindo sempre alguma oxigenação. Já em alguns produtores artesanais da Vidigueira e noutras localidades, a talha mantém-se aberta no topo, apenas com azeite, de um dedo de altura, a impedir que o ar entre em contato com o vinho (“tampa líquida”).
Também é possível, naturalmente, utilizar a talha apenas como vasilha de fermentação e nada mais. Ou seja, depois de o mosto fermentar e dar origem ao vinho, é retirado da talha através de bombagem mecânica, e passado para uma cuba de aço inox ou barrica de madeira, tal como acontece na generalidade das modernas adegas. Apesar de, com este processo, não se usufruir do contato prolongado com as massas e do arejamento típico
da talha, tira-se partido da fermentação natural num recipiente semi-poroso e de pequena capacidade e do trabalho manual de mergulho das massas vínicas no mosto, o que só traz benefícios ao produto final.
Em Portugal, o Alentejo tem sido o grande guardião dos vinhos de talha, tendo sabido preservar até aos dias de hoje este processo de vinificação desenvolvido pelos romanos. Ao longo dos tempos, a técnica de fazer vinho em talhas foi sendo passada de geração em geração, de forma quase imutável. Ainda assim, não existe apenas uma maneira de fazer vinho em talhas, variando ligeiramente consoante a tradição local.
Também o crescente interesse dos produtores alentejanos pelos vinhos de talha e a instalação destas vasilhas de barro em algumas modernas adegas, levou à introdução no processo de algumas técnicas e equipamentos que visam facilitar o trabalho sem adulterar a essência da vinificação em talha.
Seguindo os processos mais clássicos ou adotando alguma modernização, o vinho de talha mantém-se como um produto único, sublime representante da milenar cultura do vinho no Alentejo.
Não existe apenas uma forma de fazer o vinho de talha. A maneira mais clássica de elaboração do vinho de talha, tal como o ilustre agrónomo António Augusto de Aguiar deixou registado em 1876, não passa por prensa nem lagares fechados, servindo muitas vezes o próprio pavimento das adegas para a pisa e esmagamento da uva. As adegas, muitas vezes com arcos altos, têm janelas grandes por onde a uva é descarregada diretamente para o pavimento que é lajeado e esconso para o centro de forma a que o mosto siga, deslizando, para uma cisterna ou talha enterrada.
Esta cisterna tem o nome de “ladrão” (ou também “adorna”, por exemplo na Vidigueira), e serve igualmente como segurança para o caso de alguma das talhas rebentar com a pressão não se perdendo o vinho derramado. À medida que foram sendo introduzidos lagares e esmagadores manuais nas adegas, o ladrão tomou sobretudo a referida função de segurança em caso de rebentamento de talhas, algo que não sucede assim tão poucas vezes.
Com a chegada da uva à adega, a mesma é esmagada antes de seguir, com ou sem engaço, para as talhas. Tradicionalmente, e nos casos em que o ladrão é utilizado, o mosto nele acumulado é vertido para as talhas com recurso a canecas ou baldes. Muitas são as adegas onde se encontram ainda ripadeiras (ou mesas de ripanço) para que se faça o “ripanço”, ou seja o desengace (retirar a parte lenhosa do cacho) das uvas à mão com recurso a um tabuleiro ou mesa formado por uma grade de ripas paralelas de madeira. Na maioria dos casos, porém, o desengace é efetuado por desengaçadores elétricos que separam os bagos do engaço.
Quanto ao papel do engaço na fermentação, cada produtor e localidade tem a sua própria tradição e modo de fazer: em Reguengos encontramos quem usa algum engaço para contribuir com maior arejamento das massas e permitir um efeito de filtração, e em Cuba é comum usar sempre a totalidade do engaço pelas mesmas razões. Alguns produtores preferem a fermentação sem qualquer engaço. Atualmente, logo após o esmagamento das uvas é adicionado ao mosto uma pequena porção de dióxido de enxofre mais conhecido por anidrido sulfuroso (vulgo sulfuroso) a título de desinfetante para que elimine bactérias e as leveduras mais frágeis e indesejáveis permitindo que apenas as melhores estirpes sobrevivam e tomem contra do processo fermentativo.
Durante a fermentação, as massas vínicas (que tradicionalmente continham ainda alguns bagos inteiros por a pisa ser incompleta) são mexidas artesanalmente com um rodo de madeira (que tem a mesma função dos êmbolos compridos de madeira chamados “macacos” no Douro e na Bairrada e utilizados nos lagares). Estas operações ocorrem várias vezes por dia (no mínimo duas vezes, mas geralmente mais), incluindo, por vezes, durante a noite a fim de procurar evitar que as massas à superfície obstruam a boca da talha e origine o seu rebentamento.
Em vários casos, as adegas encontram-se a alguns metros abaixo do solo para que o ambiente durante a vinificação seja o mais fresco possível e com menos oxigénio (o que exige a cautelas redobradas para quem nela labora, em especial durante a fermentação com a produção e libertação de dióxido de carbono). Adicionalmente, para baixar a temperatura da própria talha, é comum humedecer-se exteriormente a mesma diretamente com água várias vezes por dia (beneficiando do rebordo decorativo normalmente existente a toda a volta da talha e que ajuda a espalhar a água por toda a superfície), ou colocando à volta da talha sarapilheira e/ou panos molhados, podendo com estes meios baixar a temperatura de fermentação para cerca de 17º a 18ºC.
A fermentação termina, em regra, após 8 a 15 dias da entrada das uvas na talha, demorando ainda mais algumas semanas para que a parte sólida dos cachos (chapéu) – que no início deste processo estava à superfície – se deposite no fundo da talha. Essa parte sólida terá um papel fundamental na filtragem do vinho, quando da trasfega ou da abertura da talha para consumo direto.
Depois da fermentação completada e tendo o vinho repousado algumas semanas com as massas, há uma opção a fazer: ou se coloca uma torneira no orifício (tapado com um batoque de cortiça) existente a 30 cm do fundo da talha, muitas vezes recorrendo a ráfia ou palha para vedar, e se serve o vinho diretamente da talha, como é comum nas tabernas; ou a talha é esvaziada – numa operação que demora entre 1 a 2 dias – sendo o vinho passado para uma outra talha de barro, onde atravessará o Inverno até ser consumido ou engarrafado no início do ano seguinte (raramente depois de Março). As massas que ficaram na talha onde o vinho fermentou são retiradas manualmente, implicando, regra geral, que um homem de pequena estatura entre no seu interior. O processo acima descrito, com as suas variantes, é tradicionalmente o mesmo tanto para brancos como para tintos, sendo ainda comum a mistura dos dois tipos de uva, dando origem a um vinho rosado chamado de “petroleiro” exatamente por causa da cor com que ficava.
Nesse período, é comum em algumas localidades (como Reguengos) que as talhas contendo vinho sejam resguardadas do ar através de tampas de madeira ou de barro, ou mesmo com papel pardo, (chamada “tampa sólida”) que, contudo, não são totalmente eficazes permitindo sempre alguma oxigenação. Já em alguns produtores artesanais da Vidigueira e noutras localidades, a talha mantém-se aberta no topo, apenas com azeite, de um dedo de altura, a impedir que o ar entre em contato com o vinho (“tampa líquida”).
Também é possível, naturalmente, utilizar a talha apenas como vasilha de fermentação e nada mais. Ou seja, depois de o mosto fermentar e dar origem ao vinho, é retirado da talha através de bombagem mecânica, e passado para uma cuba de aço inox ou barrica de madeira, tal como acontece na generalidade das modernas adegas. Apesar de, com este processo, não se usufruir do contato prolongado com as massas e do arejamento típico da talha, tira-se partido da fermentação natural num recipiente semi-poroso e de pequena capacidade e do trabalho manual de mergulho das massas vínicas no mosto, o que só traz benefícios ao produto final.
O essencial da vinificação em talha pouco mudou em mais de dois mil anos. Em traços gerais, as uvas previamente esmagadas são colocadas dentro das talhas de barro e a fermentação ocorre espontaneamente.
Durante a fermentação, as películas de uvas que sobem à superfície e formam uma capa sólida são mexidas com um rodo de madeira e obrigadas a mergulhar no mosto, para assim transmitir ao vinho mais cor, aromas e sabores. Terminada a fermentação, essas massas assentam no fundo.
Na parede da talha, perto da base, existe um orifício onde se coloca uma torneira. O vinho atravessa o filtro formado pelas massas de uvas e sai puro e límpido para o exterior. É um processo simples e natural, tanto quanto o vinho que dele resulta.
A ânfora de barro é um dos mais antigos recipientes para conservar e transportar líquidos. Na sua versão de maior dimensão, a talha, serve desde há mais de dois milénios para fazer vinho, uma tradição que o Alentejo nunca perdeu.
Dados históricos indicam que a talha existe desde a época romana, ou seja, há sensivelmente mais de dois mil anos. Assim aponta, por exemplo, o facto de sabermos por gravuras que os romanos vinificavam e guardavam os seus vinhos em potes e vasos semelhantes, ou mesmo iguais, às talhas que ainda hoje encontramos em Portugal, de tal forma que, em 1876, João Ignacio
Ferreira Lapa, no seu “Relatório sobre os processos de vinificação dos principaes centros vinhateiros do sul do reino”, chamou à vinificação em talha no Alentejo o «systema romano» distinguindo-o do «systema de feitoria» que incluía a utilização de lagares e que era comum noutras regiões do país.
Segundo os etimologistas, o topónimo de talha deriva do latim “Tinalia” que significa vaso ou vasilha de dimensões grandes. Uma talha é, portanto, um pote de barro, mais ou menos poroso de acordo com o tipo de argila de que é feito, com o destino de permitir a fermentação de mostos vínicos e posterior armazenagem de diversos produtos líquidos com destaque para o vinho e azeite. A talha apresenta-se com tamanhos e feitios diferentes, de acordo com a prática do mestre oleiro e do estilo da localidade onde era produzida.
Raramente ultrapassa os dois metros de altura e uma tonelada de peso, podendo, no máximo, conter 2.000 litros de mosto. Uma vez que se trata de um pote de barro, a sua estrutura é porosa pelo que se impõe a impermeabilização do seu interior. O modo ancestral de fazer essa impermeabilização, e que ainda hoje resiste, passa por untar o interior da talha com resina de pinheiro – denominada de pez louro – , à qual se pode adicionar alguns outros produtos naturais conforme a receita do pesgador, profissão hoje praticamente extinta. Apesar de já não se encontrar adegas em funcionamento com centenas de talhas como Ferreira Lapa testemunhou ainda no século XIX (referindo-se à «adega do dr. Visconde da Esperança» em Cuba) a verdade é que no Alentejo de hoje estas estão ainda muito presentes e são utilizadas para fazer vinho, encontrando-se com facilidade em
casas particulares mas sobretudo em tabernas e adegas, não sendo difícil confrontarmo-nos, ainda hoje, com talhas datadas do período entre o século XVIII até primeira metade do século XIX.
Com o advento das adegas cooperativas no Alentejo, nos anos 50 do século XX, a produção de vinhos em talha com fins comerciais foi desaparecendo gradualmente, permanecendo até aos dias de hoje, como mais notável exceção, a casa José de Sousa em Reguengos de Monsaraz. Nos últimos anos, porém, muitos produtores alentejanos tomaram consciência da importância da talha como fator de diferenciação (sobretudo nos mercados externos sedentos de originalidade) e começaram a usá-la para vinificar quantidades limitadas de alguns vinhos especiais. Hoje assiste-se a um
renascer dos vinhos de talha, vinhos únicos, plenos de caráter e identidade Alentejo.
O revivalismo em torno dos vinhos de talha tem como principal limite a própria talha. É que estas originais vasilhas há mais de um século que se deixaram de fabricar e as técnicas de fabrico perderam-se com o tempo. Como é sabido, o Alentejo continha, e contém ainda, vários centros oleiros relevantes – Ferreira Lapa refere, entre outros, Vila Alva, Cuba, Serpa, Vidigueira e Campo Maior –, aspeto determinante à proliferação da talha e da sua utilização. Produzidas, como referido, a partir de barro, é através da sua
cozedura que a talha se torna rija, não sendo completamente claras as informações de como a talha era cozida. Existem, efetivamente informações que apontam para a cozedura da talha por inteiro, noutros casos com recurso a duas metades que se coziam separadamente e num segundo momento eram cozidas entre elas, e outros ainda por diversos anéis que sobrepunham no forno durante a cozedura, sendo muito provável que todas estas modalidades fossem praticadas de acordo com o tamanho e peso das talhas em causa e da preferência do oleiro. Na parte inferior da talha existe um buraco pelo qual o vinho sairá e que é tapado por um batoque para evitar vazamento. De acordo com a tradição, a forma mais eficaz de o batoque não sair é utilizar cortiça acabada de cozer que, assim, se molda melhor ao buraco ao enrijecer.
As talhas têm uma forma relativamente comum, copiando regularmente
o formato de vegetais. Contudo, poucas são iguais, com as principais diferenças a advirem do grau de curvatura que os mestres oleiros das diferentes localidades praticavam, podendo ainda conter um ou outro adorno diferente, para além da assinatura do autor por regra através de um símbolo ou marca. Existem ainda potes mais pequenos, denominados de tarefas, com diversos fins, desde a vinificação de pequenas quantidades de mosto até trasfegas e armazenagem. Temos assim que, por exemplo, as talhas de Cuba são tidas por terem a forma de um nabo, com maior capacidade e mais bojudas que as produzidas nas demais localidades. Já as talhas de Vila Alva são conhecidas pela sua configuração de brinquedo do tipo pião e de serem mais pequenas que as de Cuba. As de Serpa consta que seguem uma forma mais delgada, como uma cenoura, com a mesma capacidade das de Vila Alva.
A talha da Vidigueira é, para muitos, a mais elegante por ter maior curvatura, assim como as de São Pedro do Corval que têm ainda, segundo Ferreira Lapa, a fama de serem produzidas a partir do melhor barro para talha – mais compacto e menos poroso – por conter menos quantidade de calcário.
Nas muitas adegas de talhas existentes no Alentejo, pertencentes a casas particulares, tabernas ou empresas vitivinícolas, constata-se a existência de talhas do século XVIII e XIX (e algumas do século XVII) provenientes de diversas origens, com destaque para as localidades de São Pedro do Corval, próxima de Reguengos de Monsaraz (ainda hoje um centro oleiro de excelência, possuindo atualmente cerca de 35 olarias) e de Beringel, vila do concelho de Beja, da qual dista 11 quilómetros.
A talha, por ser porosa, necessita de um revestimento que a torne menos permeável. O método tradicional de impermeabilização é a “pesga” ou a “pesgagem” da talha, isto é, a rebocagem da mesma com resina de pinheiro a que se chama de pez louro. Nas tabernas e adegas particulares também há quem utilize tintas com efeito impermeável (tinta epoxi para revestimentos cerâmicos) que podem ser colocadas pintando o interior da talha. Todavia, estas tintas criam um isolamento de tal forma absoluto entre o barro e o mosto vínico, que não permitem que a talha cumpra a plenitude da sua função, não sendo portanto uma alternativa viável por não manter a marca nem o carácter típico desta forma clássica e natural de vinificação.
A maneira como se efetua a pesga da talha passa pelo forte aquecimento do seu interior, colocando-a ao alto e de cima para baixo (ou seja, com a boca virada para o solo) sobre quatro pedras a fazer de apoio, no meio das quais se acende uma fogueira. O objetivo desta queima é fazer derreter os restos de pez que foram anteriormente colocados na talha, fazendo-os deslizar até à abertura virada para o chão e removendo-os, ao mesmo tempo que se prepara o interior da talha para agarrar a nova pez a colocar. Simultaneamente, prepara-se a nova pez de acordo com a receita do pesgador, sendo utilizada uma grande proporção de pez louro à qual pode ser adicionada cera de abelha e/ou azeite. Mais recentemente existem experiências de aplicação apenas de cera de abelha sem qualquer pez louro, reproduzindo o costume praticado no
Cáucaso – em especial na Georgia – onde a cera de abelha é o revestimento único dos potes Kvevri. Assim que o preparado atinge uma alta temperatura, a talha é deitada em solo plano, com uma pessoa a fazer rolar a talha, empurrando-a, e outra aplicando o pez dentro de talha recorrendo a uma vara de madeira cuja ponta, feita de cortiça ou de trapos, se encontra embebida do preparado com pez. Uma vez aplicado todo o preparado, inclina-se a talha de forma a que o eventual excesso seja despejado no chão por via da gravidade, cabendo, por fim, a tarefa de alisar a camada de pez colocada no interior da talha de forma a que esta fique lisa como se tratasse de um polimento. A consistência da pez também releva, pois se for muito dura pode ficar vidrada e cair após algumas utilizações e, se for muito mole irá transmitir demasiados sabores e aromas aos mostos.
Dado que o pez transmite ao vinho aromas e sabores particulares, e o revestimento de pez de uma talha dura vários anos (pelo menos uma década), é prática adequada não pesgar todas as talhas de uma adega num mesmo ano, para que o pez não marque demasiado o vinho.
Assim, é preferível uma gestão da pesga das talhas, realizando-se apenas algumas por ano, afim de o lote final ter sempre passagem por talhas com pesgagem mais e menos recentes. No fundo, uma gestão de utilização que tem muito a ver com a que hoje se pratica com as barricas de madeira, conjugando barricas novas com barricas de segundo e terceiro ano, para evitar excesso de madeira no vinho.
A ânfora de barro é um dos mais antigos recipientes para conservar e transportar líquidos. Na sua versão de maior dimensão, a talha, serve desde há mais de dois milénios para fazer vinho, uma tradição que o Alentejo nunca perdeu.
Dados históricos indicam que a talha existe desde a época romana, ou seja, há sensivelmente mais de dois mil anos. Assim aponta, por exemplo, o facto de sabermos por gravuras que os romanos vinificavam e guardavam os seus vinhos em potes e vasos semelhantes, ou mesmo iguais, às talhas que ainda hoje encontramos em Portugal, de tal forma que, em 1876, João Ignacio Ferreira Lapa, no seu “Relatório sobre os processos de vinificação dos principaes centros vinhateiros do sul do reino”, chamou à vinificação em talha no Alentejo o «systema romano» distinguindo-o do «systema de feitoria» que incluía a utilização de lagares e que era comum noutras regiões do país.
Segundo os etimologistas, o topónimo de talha deriva do latim “Tinalia” que significa vaso ou vasilha de dimensões grandes. Uma talha é, portanto, um pote de barro, mais ou menos poroso de acordo com o tipo de argila de que é feito, com o destino de permitir a fermentação de mostos vínicos e posterior armazenagem de diversos produtos líquidos com destaque para o vinho e azeite. A talha apresenta-se com tamanhos e feitios diferentes, de acordo com a prática do mestre oleiro e do estilo da localidade onde era produzida. Raramente ultrapassa os dois metros de altura e uma tonelada de peso, podendo, no máximo, conter 2.000 litros de mosto. Uma vez que se trata de um pote de barro, a sua estrutura é porosa pelo que se impõe a impermeabilização do seu interior. O modo ancestral de fazer essa impermeabilização, e que ainda hoje resiste, passa por untar o interior da talha com resina de pinheiro – denominada de pez louro – , à qual se pode adicionar alguns outros produtos naturais conforme a receita do pesgador, profissão hoje praticamente extinta.
Apesar de já não se encontrar adegas em funcionamento com centenas de talhas como Ferreira Lapa testemunhou ainda no século XIX (referindo-se à «adega do dr. Visconde da Esperança» em Cuba) a verdade é que no Alentejo de hoje estas estão ainda muito presentes e são utilizadas para fazer vinho, encontrando-se com facilidade em casas particulares mas sobretudo em tabernas e adegas, não sendo difícil confrontarmo-nos, ainda hoje, com talhas datadas do período entre o século XVIII até primeira metade do século XIX.
Com o advento das adegas cooperativas no Alentejo, nos anos 50 do século XX, a produção de vinhos em talha com fins comerciais foi desaparecendo gradualmente, permanecendo até aos dias de hoje, como mais notável exceção, a casa José de Sousa em Reguengos de Monsaraz. Nos últimos anos, porém, muitos produtores alentejanos tomaram consciência da importância da talha como fator de diferenciação (sobretudo nos mercados externos sedentos de originalidade) e começaram a usá-la para vinificar quantidades limitadas de alguns vinhos especiais. Hoje assiste-se a um renascer dos vinhos de talha, vinhos únicos, plenos de caráter e identidade Alentejo.
O revivalismo em torno dos vinhos de talha tem como principal limite a própria talha. É que estas originais vasilhas há mais de um século que se deixaram de fabricar e as técnicas de fabrico perderam-se com o tempo. Como é sabido, o Alentejo continha, e contém ainda, vários centros oleiros relevantes – Ferreira Lapa refere, entre outros, Vila Alva, Cuba, Serpa, Vidigueira e Campo Maior –, aspeto determinante à proliferação da talha e da sua utilização. Produzidas, como referido, a partir de barro, é através da sua cozedura que a talha se torna rija, não sendo completamente claras as informações de como a talha era cozida.
Existem, efetivamente informações que apontam para a cozedura da talha por inteiro, noutros casos com recurso a duas metades que se coziam separadamente e num segundo momento eram cozidas entre elas, e outros ainda por diversos anéis que sobrepunham no forno durante a cozedura, sendo muito provável que todas estas modalidades fossem praticadas de acordo com o tamanho e peso das talhas em causa e da preferência do oleiro. Na parte inferior da talha existe um buraco pelo qual o vinho sairá e que é tapado por um batoque para evitar vazamento. De acordo com a tradição, a forma mais eficaz de o batoque não sair é utilizar cortiça acabada de cozer que, assim, se molda melhor ao buraco ao enrijecer.
As talhas têm uma forma relativamente comum, copiando regularmente o formato de vegetais. Contudo, poucas são iguais, com as principais diferenças a advirem do grau de curvatura que os mestres oleiros das diferentes localidades praticavam, podendo ainda conter um ou outro adorno diferente, para além da assinatura do autor por regra através de um símbolo ou marca. Existem ainda potes mais pequenos, denominados de tarefas, com diversos fins, desde a vinificação de pequenas quantidades de mosto até trasfegas e armazenagem. Temos assim que, por exemplo, as talhas de Cuba são tidas por terem a forma de um nabo, com maior capacidade e mais bojudas que as produzidas nas demais localidades.
Já as talhas de Vila Alva são conhecidas pela sua configuração de brinquedo do tipo pião e de serem mais pequenas que as de Cuba. As de Serpa consta que seguem uma forma mais delgada, como uma cenoura, com a mesma capacidade das de Vila Alva. A talha da Vidigueira é, para muitos, a mais elegante por ter maior curvatura, assim como as de São Pedro do Corval que têm ainda, segundo Ferreira Lapa, a fama de serem produzidas a partir do melhor barro para talha – mais compacto e menos poroso – por conter menos quantidade de calcário.
Nas muitas adegas de talhas existentes no Alentejo, pertencentes a casas particulares, tabernas ou empresas vitivinícolas, constata-se a existência de talhas do século XVIII e XIX (e algumas do século XVII) provenientes de diversas origens, com destaque para as localidades de São Pedro do Corval, próxima de Reguengos de Monsaraz (ainda hoje um centro oleiro de excelência, possuindo atualmente cerca de 35 olarias) e de Beringel, vila do concelho de Beja, da qual dista 11 quilómetros.
A talha, por ser porosa, necessita de um revestimento que a torne menos permeável. O método tradicional de impermeabilização é a “pesga” ou a “pesgagem” da talha, isto é, a rebocagem da mesma com resina de pinheiro a que se chama de pez louro. Nas tabernas e adegas particulares também há quem utilize tintas com efeito impermeável (tinta epoxi para revestimentos cerâmicos) que podem ser colocadas pintando o interior da talha. Todavia, estas tintas criam um isolamento de tal forma absoluto entre o barro e o mosto vínico, que não permitem que a talha cumpra a plenitude da sua função, não sendo portanto uma alternativa viável por não manter a marca nem o carácter típico desta forma clássica e natural de vinificação.
A maneira como se efetua a pesga da talha passa pelo forte aquecimento do seu interior, colocando-a ao alto e de cima para baixo (ou seja, com a boca virada para o solo) sobre quatro pedras a fazer de apoio, no meio das quais se acende uma fogueira. O objetivo desta queima é fazer derreter os restos de pez que foram anteriormente colocados na talha, fazendo-os deslizar até à abertura virada para o chão e removendo-os, ao mesmo tempo que se prepara o interior da talha para agarrar a nova pez a colocar. Simultaneamente, prepara-se a nova pez de acordo com a receita do pesgador, sendo utilizada uma grande proporção de pez louro à qual pode ser adicionada cera de abelha e/ou azeite.
Mais recentemente existem experiências de aplicação apenas de cera de abelha sem qualquer pez louro, reproduzindo o costume praticado no Cáucaso – em especial na Georgia – onde a cera de abelha é o revestimento único dos potes Kvevri. Assim que o preparado atinge uma alta temperatura, a talha é deitada em solo plano, com uma pessoa a fazer rolar a talha, empurrando-a, e outra aplicando o pez dentro de talha recorrendo a uma vara de madeira cuja ponta, feita de cortiça ou de trapos, se encontra embebida do preparado com pez. Uma vez aplicado todo o preparado, inclina-se a talha de forma a que o eventual excesso seja despejado no chão por via da gravidade, cabendo, por fim, a tarefa de alisar a camada de pez colocada no interior da talha de forma a que esta fique lisa como se tratasse de um polimento.
A consistência da pez também releva, pois se for muito dura pode ficar vidrada e cair após algumas utilizações e, se for muito mole irá transmitir demasiados sabores e aromas aos mostos.
Dado que o pez transmite ao vinho aromas e sabores particulares, e o revestimento de pez de uma talha dura vários anos (pelo menos uma década), é prática adequada não pesgar todas as talhas de uma adega num mesmo ano, para que o pez não marque demasiado o vinho. Assim, é preferível uma gestão da pesga das talhas, realizando-se apenas algumas por ano, afim de o lote final ter sempre passagem por talhas com pesgagem mais e menos recentes. No fundo, uma gestão de utilização que tem muito a ver com a que hoje se pratica com as barricas de madeira, conjugando barricas novas com barricas de segundo e terceiro ano, para evitar excesso de madeira no vinho.
O vinho de talha está intrinsecamente ligado à história, à cultura e à vida social no Alentejo. Não é portanto uma tradição remota, mas algo que faz parte do dia-a-dia da população, sobretudo nas zonas mais rurais. O dia de S. Martinho, dia da “abertura das talhas”, é o momento mais alto na milenar relação entre o Alentejo e o vinho de talha.
A tradição da talha no Alentejo, trazida pelos romanos há mais de dois mil anos, nunca se perdeu, mantendo-se viva e presente em muitíssimas localidades da região. Ainda hoje, nas zonas do Alentejo com maior cultura de vinha, são inúmeras as casas particulares que conservam meia dúzia de
talhas, onde se fazem vinhos para consumo próprio. Frequentemente, as uvas para essas produções privadas são recolhidas dos cachos que, depois da vindima, ficaram esquecidos nas vinhas dos maiores viticultores, na maior parte dos casos com o consentimento tácito destes. O chamado “rabisco das uvas” é uma tradição ancestral que permite aos muitos que não possuem terra e vinha próprias, continuar a fazer e desfrutar do seu vinho.
Uma grande parte das tabernas do Alentejo (e entre elas muitas que se transformaram em restaurantes famosos) mantém a produção do vinho de talha. Aqui, não se trata já de vinificar para consumir em casa mas sim de uma atividade comercial alicerçada numa tradição. Os vinhos são feitos na taberna ou restaurante e vendidos no balcão ou à mesa, acompanhando
a cozinha regional. Quase todos estes estabelecimentos vendem também esse vinho engarrafado (ou em garrafão) e são muitos os membros da diáspora alentejana residentes nos arredores de Lisboa que após o S. Martinho rumam ao Alentejo para comprar o vinho com que seus avós e pais cresceram.
Esta relação entre o povo alentejano e a talha é longa, duradoura e manifesta-se, sobretudo, em três momentos. O primeiro, mais esporádico, é o da pesgagem das talhas, ou seja, revestir o seu interior com pez louro. Dependendo do número de talhas a pesgar, a pesga é sempre uma operação que implica o trabalho de várias pessoas e dura uma grande parte do dia, pelo que, sendo muito rara nos dias que correm, é vista como um acontecimento a merecer celebração, muitas vezes acompanhado pela assadura de um porco.
O segundo, naturalmente, tem a ver com a vindima, a fermentação das uvas e a vinificação em talha, processo em que toda a família e amigos são habitualmente envolvidos.
Mas o apogeu da “festa da talha” e, na verdade, a sua razão de ser, é o momento da “abertura das talhas” que ocorre geralmente no dia de S. Martinho, 11 de Novembro. Por regra, as massas vínicas são mantidas dentro da talha até essa data, sendo tradição abrir-se as talhas nesse dia. Nas festas de S. Martinho no Alentejo o vinho de talha é rei, sendo largamente consumido de forma que em muitas adegas e tabernas rapidamente se esgota. O vinho da talha – branco, tinto ou “petroleiro” (mistura de uvas brancas e tintas) - serve de acompanhamento para marmelos da época, além das nozes, castanhas e
da generalidade dos petiscos (sobretudo baseados em carne de porco e caça) em que a gastronomia alentejana é rica. Pelo sucesso que tem nas vilas e aldeias do Alentejo, não é comum que o vinho da talha se mantenha de um ano para outro, sendo quase todo consumido entre Novembro e Dezembro. Se tal não sucede, e para continuar a consumi-lo, opta-se por transferir o vinho para talhas mais pequenas ou, hoje em dia, para uma cuba em inox com tampa flutuante denominada “sempre-cheio”, com função de armazenamento. Como alternativa, pode-se sempre engarrafar o vinho, adicionando apenas algum sulfuroso para garantir as melhores condições de evolução do vinho em garrafa praticamente sem contacto com o oxigénio. Em algumas localidades alentejanas havia o costume de colocar nessas garrafas algumas uvas passa ou bagos de arroz, provocando assim uma segunda fermentação que iria
originar um leve toque gasoso no vinho que se bebia mais tarde, na Primavera ou no Verão.
O vinho de talha está intrinsecamente ligado à história, à cultura e à vida social no Alentejo. Não é portanto uma tradição remota, mas algo que faz parte do dia-a-dia da população, sobretudo nas zonas mais rurais. O dia de S. Martinho, dia da “abertura das talhas”, é o momento mais alto na milenar relação entre o Alentejo e o vinho de talha.
A tradição da talha no Alentejo, trazida pelos romanos há mais de dois mil anos, nunca se perdeu, mantendo-se viva e presente em muitíssimas localidades da região. Ainda hoje, nas zonas do Alentejo com maior cultura de vinha, são inúmeras as casas particulares que conservam meia dúzia de talhas, onde se fazem vinhos para consumo próprio.
Frequentemente, as uvas para essas produções privadas são recolhidas dos cachos que, depois da vindima, ficaram esquecidos nas vinhas dos maiores viticultores, na maior parte dos casos com o consentimento tácito destes. O chamado “rabisco das uvas” é uma tradição ancestral que permite aos muitos que não possuem terra e vinha próprias, continuar a fazer e desfrutar do seu vinho.
Uma grande parte das tabernas do Alentejo (e entre elas muitas que se transformaram em restaurantes famosos) mantém a produção do vinho de talha. Aqui, não se trata já de vinificar para consumir em casa mas sim de uma atividade comercial alicerçada numa tradição. Os vinhos são feitos na taberna ou restaurante e vendidos no balcão ou à mesa, acompanhando a cozinha regional. Quase todos estes estabelecimentos vendem também esse vinho engarrafado (ou em garrafão) e são muitos os membros da diáspora alentejana residentes nos arredores de Lisboa que após o S. Martinho rumam ao Alentejo para comprar o vinho com que seus avós e pais cresceram.
Esta relação entre o povo alentejano e a talha é longa, duradoura e manifesta-se, sobretudo, em três momentos. O primeiro, mais esporádico, é o da pesgagem das talhas, ou seja, revestir o seu interior com pez louro. Dependendo do número de talhas a pesgar, a pesga é sempre uma operação que implica o trabalho de várias pessoas e dura uma grande parte do dia, pelo que, sendo muito rara nos dias que correm, é vista como um acontecimento a merecer celebração, muitas vezes acompanhado pela assadura de um porco.
O segundo, naturalmente, tem a ver com a vindima, a fermentação das uvas e a vinificação em talha, processo em que toda a família e amigos são habitualmente envolvidos.
Mas o apogeu da “festa da talha” e, na verdade, a sua razão de ser, é o momento da “abertura das talhas” que ocorre geralmente no dia de S. Martinho, 11 de Novembro. Por regra, as massas vínicas são mantidas dentro da talha até essa data, sendo tradição abrir-se as talhas nesse dia. Nas festas de S. Martinho no Alentejo o vinho de talha é rei, sendo largamente consumido de forma que em muitas adegas e tabernas rapidamente se esgota.
O vinho da talha – branco, tinto ou “petroleiro” (mistura de uvas brancas e tintas) - serve de acompanhamento para marmelos da época, além das nozes, castanhas e da generalidade dos petiscos (sobretudo baseados em carne de porco e caça) em que a gastronomia alentejana é rica. Pelo sucesso que tem nas vilas e aldeias do Alentejo, não é comum que o vinho da talha se mantenha de um ano para outro, sendo quase todo consumido entre Novembro e Dezembro. Se tal não sucede, e para continuar a consumi-lo, opta-se por transferir o vinho para talhas mais pequenas ou, hoje em dia, para uma cuba em inox com tampa flutuante denominada “sempre-cheio”, com função de armazenamento. Como alternativa, pode-se sempre engarrafar o vinho, adicionando apenas algum sulfuroso para garantir as melhores condições de evolução do vinho em garrafa praticamente sem contacto com o oxigénio. Em algumas localidades alentejanas havia o costume de colocar nessas garrafas algumas uvas passa ou bagos de arroz, provocando assim uma segunda fermentação que iria originar um leve toque gasoso no vinho que se bebia mais tarde, na Primavera ou no Verão.